segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Creatina: auxílio ergogênico com potencial antioxidante?


Por Tácito Pessoa de Souza JuniorI;    Benedito PereiraII
IUniversidade Metropolitana de Santos,    Faculdade de Educação Física de Santos. Santos, SP, Brasil
IIUniversidade de São Paulo, Escola de Educação    Física e Esporte, Departamento de Esporte. Av. Prof. Melo Moraes, 65,    05508-900, São Paulo, SP. Correspondência para    to: B. PEREIRA. E-mail: benepe@usp.br
RESUMO
A creatina é largamente utilizada como    auxilio ergogênico, com algumas evidências quanto ao seu efeito    positivo na massa magra, força/potência e resistência muscular.    Entretanto, esses estudos não conseguiram identificar potenciais mecanismos    bioquímicos que pudessem explicar seu efeito na fadiga ou turnover de proteína muscular, existindo a possibilidade de que alguns indivíduos    não sejam responsivos a esse suplemento. Outro possível efeito    da creatina, que vem sendo recentemente investigado, é a sua ação    antioxidante. Mesmo com poucos trabalhos disponíveis, duas possibilidades    existem para explicar esse efeito: 1) Ação indireta como tampão    energético, devido ao aumento na concentração tecidual    de fosfocreatina, que favoreceria a menor produção de metabólitos    do ciclo de degradação de purinas (ciclo de Lowenstein), resultando    em queda na formação de hipoxantina, xantina e ácido úrico,    assim como em espécies reativas de oxigênio (superóxido,    peróxido de hidrogênio e radical hidroxil); 2) Por ação    direta, apesar de essa propriedade ser inferior à dos antioxidantes já    bem conhecidos, como a glutationa reduzida. Mesmo assim, poderia atuar conjuntamente    com estes. O objetivo desta comunicação é relatar dados    disponíveis sobre esses dois itens.

INTRODUÇÃO
Em associação ao seu reconhecido    papel como auxílio ergogênico1 em exercícios    intensos de curta duração, pesquisas recentes têm demonstrado    que a creatina também possui propriedades antioxidantes2.    Existem duas explicações possíveis para esse efeito, que    são: 1) Ação indireta como tampão energético,    devido ao aumento na concentração tecidual de fosfocreatina, que    pode favorecer a menor produção de intermediários da degradação    da adenosina trifosfato (ATP), principalmente no ciclo de degradação    de purinas3 e; 2) Ação direta, devido à presença    de arginina em sua estrutura molecular2.
O objetivo desta comunicação é    mostrar, a partir de dados deste grupo de pesquisadores4 e de outros    autores2,5 a possível contribuição antioxidante    da creatina durante a realização de exercício físico.    Este tema é de relevante para a nutrição e a bioquímica    do exercício, uma vez que há poucas referências na literatura,    mas com dados promissores. Pretende-se, assim, estimular o desenvolvimento de    pesquisas em torno desta temática.
Durante a realização de treinamento    físico intenso ou na exigência física máxima, há    maior formação intramuscular de ânion radical superóxido    (O2•-), peróxido de hidrogênio (H2O2)    e radical hidroxil (OH), dentre outros, denominados por espécies    reativas de oxigênio (O2), resultando em lesões oxidativas    celulares e teciduais acima do normal nessas condições4,6.    Para proteger contra essas lesões, as células possuem antioxidantes    químicos e enzimáticos, existindo evidências de que isso    não é suficiente para as proteger durante o exercício físico    intenso7. Embora haja algumas restrições quanto ao    seu consumo pela Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte, a creatina não    se encontra na lista atual de substâncias proibidas pela World Anti-Doping    Agengy (WADA). Além disso, alguns estudos, como os realizados por    Schilling et al.8, Persky & Brazeau9, Ellis &    Rosenfeld, com indivíduos saudáveis, não reportaram efeitos    colaterais nas funções renais, gastrointestinais e hepáticas    com a suplementação oral de creatina. Ressalta-se que não    se pretende com isso estimular seu consumo em associação à    prática esportiva, mas relatar uma importante propriedade química    exibida por esta molécula, no sentido de incentivar pesquisas sobre o    tema.

Creatina como antioxidante
A molécula de ATP é a fonte imediata    de energia para a contração muscular e os demais processos dela    dependentes. Contudo, sua concentração intramuscular é    muito baixa, fazendo com que vias alternativas de sua regeneração    sejam imediatamente ativadas devido ao seu consumo. Para tanto, é fornecido    poder redutor de carboidratos e lipídeos. Esse processo é lento,    comparativamente à utilização da fosfocreatina, sendo,    em função disso, muito importante na regeneração    da ATP em atividades físicas intensas e de curta duração.    Com a intensificação da utilização de fosfocreatina    e de ATP pela fibra muscular durante esse tipo de exercício, ocorre ativação    simultânea do ciclo de degradação de purinas (ciclo de Lowenstein),    devido ao aumento na concentração intramuscular de adenosina monofosfato    (AMP). As principais conseqüências da ativação dessa    via são a produção paralela de amônia, hipoxantina,    xantina, urato e de espécies reativas de oxigênio11,12.
Estudos realizados com suplementação    de creatina previamente ao exercício intenso resultaram em queda, tanto    na produção de amônia como na de hipoxantina13.    Portanto, é possível que o aumento nos estoques intracelulares    de creatina pelo treinamento físico, ou seu consumo adicional previamente    à realização do exercício intenso, possa servir    como antioxidante indireto. Ou seja, a menor produção de hipoxantina    em decorrência de tal procedimento, assim como devido à redução    paralela de seu catabolismo em xantina e urato, poderia resultar em menor produção    de espécies reativas de oxigênio na fibra muscular durante o exercício    físico14.
A creatina é constituída pelos    aminoácidos glicina e arginina, que sofrem ação da enzima    glicina amidiltransferase, resultando em guanidi-noacetato e ornitina. Por sua    vez, a ornitina sofre ação da enzima guanidinoacetato metiltransferase,    participando, além disso, como substrato da enzima óxido nítrico    sintase e resultando na formação de óxido nítrico15.    Ressalta-se que o óxido nítrico é um radical livre que    modula o metabolismo, a contratilidade e o consumo de glicose no músculo    esquelético e participa do ciclo da uréia, além de poder    reagir com O2•- e gerar peroxinitrito (OONO-).
A arginina protege células endoteliais    contra lesões oxidativas causadas por lipoproteínas (LDL) oxidadas16.    Dados adicionais mostram que a arginina pode neutralizar o O2•-,    levando à sugestão de que a creatina pode também exercer    efeito antioxidante direto, além de indireto. Lawler et al.2 e Sestili et. al.5 obtiveram resultados a favor dessa hipótese.    Por exemplo, a creatina demonstrou capacidade de remover ácido 2,2′azino-bis    (3-etilbenzenotiazolino-6-sulfônico (ABTS+), O2•-e OONO-. Por outro lado, a creatina não foi capaz de neutralizar    de maneira significativa H2O2 e t-butilhidroperóxido    (tB-OOH).
Esses dados demonstram que a creatina exerce    efeito antioxidante claramente seletivo. Por fim, sua ação antioxidante    contra ABTS+ é significativamente inferior à da glutationa    reduzida, mas potencializa sua ação. Pode-se concluir, em função    dos resultados de Lawler et al.2, que a ação antioxidante    direta da creatina parece se limitar a radicais livres ou a espécies    reativas de oxigênio iônicas. Além disso, como a creatina    exerce efeito antioxidante inferior ao da glutationa reduzida e demonstra efeito    aditivo, quando na sua presença, é possível que funcione    como suporte aos antioxidantes mais potentes.
Essa função se torna relevante,    principalmente porque a creatina se encontra no sarcoplasma, podendo proteger    suas estruturas contra oxidação por espécies reativas de    oxigênio durante o exercício físico, como, por exemplo,    proteínas importantes na regulação metabólica, e    atenuar o aparecimento da fadiga ou favorecer a recuperação após    o exercício. Quanto a isso, mesmo que existam resultados controversos,    antioxidantes químicos reduzem o ponto de fadiga em animais durante o    exercício físico intenso4,6. Esses dados podem ser    controversos em razão dos diferentes tipos de animais estudados, de controle    nutricional deficiente ou de tipo do exercício praticado17.    Além disso, o estresse oxidativo devido ao aumento na produção    de oxidantes ou à falta de antioxidantes, aumenta a oxidação    de proteínas, assim como a sua degradação11,12.
Outros estudos demonstraram que a creatina exerce    efeitos protetores em uma grande variedade de doenças em que o estresse    oxidativo encontra-se envolvido18. Além disso, efeitos protetores    antioxidantes diretos da creatina, em estratos de células normais ou    sob estresse oxidativo, também foram identificados5. Nestes    estudos foram utilizadas as seguintes células em culturas expostas a    oxidantes: promonócitos (U937), células endoteliais (HUVEC) e    mioblastos (C2C12) expostos a H2O2, tB-OOH e, no caso    das células U937, também peroxinitrito. A creatina (0,1-10 mM)    atenuou os efeitos citotóxicos causados por oxidantes em todas as células    estudadas, sendo que a proteção foi, invariavelmente, associada    com a elevação da fração intracelular de creatina,    mas não com valores de fosfocreatina. Foi ainda verificado que a creatina    não afetou as atividades das enzimas catalase e glutationa peroxidase,    mas preveniu o consumo de grupos sulfidrílicos do pool não    protéico em células U937 e HUVEC.
A partir de espectroscopia de massa se demonstrou    que moléculas com 136 Dalton de peso molecular, que representam produtos    oxidados de creatina, formaram-se em reações tamponadas contendo    creatina na presença de H2O2, assim como em extratos    de células tratadas com H2O2 ou tB-OOH previamente    suplementadas com creatina. Finalmente, a citoproteção exercida    pela creatina nesses experimentos parece não estar relacionada com a    quelação de ferro, como demonstrado por alguns autores5.    Os mesmos autores concluem que a creatina exerce efeito antioxidante moderado    em células, porém significante, dependendo se as espécies    químicas são derivadas do oxigênio ou do nitrogênio.
Em trabalhos recentemente publicados foram demonstradas    atenuações nos valores de quimioluminescência urinária,    um possível indicador de estresse oxidativo, em função    da suplementação de creatina associada ao treinamento de força/hipertrofia    e a corridas com longa duração4,6. Os dados descritos    nesses trabalhos sugerem que esse efeito pode estar relacionado com ação    direta e/ou indireta exercida pela creatina suplementada. Destaca-se que sua    função antioxidante também não se mostrou totalmente    eficiente, já que os valores obtidos na quimioluminescência urinária    não foram totalmente neutralizados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A creatina é um viável agente ergogênico    com papel antioxidante indireto, devido ao seu efeito atenuador da formação    de produtos de degradação de purinas. Além disso, existem    evidências de que seu papel antioxidante direto é moderado, comparado    com antioxidantes mais potentes (glutationa reduzida). Sua ação    antioxidante indireta foi evidenciada por estudos que demonstraram menor produção    de hipoxantina, xantina e ácido úrico após suplementação    com creatina. Investigações encontram-se em andamento no sentido    de comprovar os efeitos indiretos antioxidantes da creatina tanto in vitro como in vivo.

COLABORADORES
T.P. SOUZA JUNIOR e B. PEREIRA participaram da    elaboração de estratégia experimental, da coleta de dados,    da tabulação, da discussão dos resultados e da elaboração    do artigo.

REFERÊNCIAS
1. Bemben MG, Lamont HS. Creatine supplementation    and exercise performance: recent findings. Sports Med. 2005; 35(2):107-25.            [ Links ]
2. Lawler JM, Barnes WS, Wu G, Song W, Demaree    S. Direct antioxidant properties of creatine. Biochem Biophys Res Commun. 2002;    290(1):47-52.            [ Links ]
3. Francaux M, Demeure R, Goudemant JF, Poortmans    JR. Effect of exogenous creatine supplementation on muscle PCr metabolism. Int    J Sports Med. 2000; 21(2):139-45.            [ Links ]
4. Souza Junior T, Oliveira P, Pereira B. Exercício    Físico e estresse oxidativo: efeitos do exercício físico    intenso sobre a quimioluminescência urinária e malondialdeído    plasmático. Rev Bras Med Esporte. 2005;11(1):91-96.            [ Links ]
5. Sestili P, Martinelli C, Bravi G, Piccoli    G, Curci R, Battistelli M, et al. Creatine supplementation affords cytoprotection    in oxidatively injured cultured mammalian cells via direct antioxidant activity.    Free Radic Biol Med. 2006; 40(5):837-49.            [ Links ]
6. Souza Junior T, Pereira B, Oliveira P. Efeitos    da suplementação com CrH2O sobre a quimioluminescência urinária    em universitários submetidos a 8 semanas de treinamento de força.    Conexões. 2005; 3(2):170-80.            [ Links ]
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